Reportagem publicada na Blue Travel …
Pelas ruas de “mi passion”
Quatro depois da Argentina ter amanhecido mergulhada num profundo buraco económico, Buenos Aires revela-se uma das cidades mais vibrantes do mundo. Entre avenidas monumentais e bairros boémios, sente-se o pulsar de uma terra de sangue quente, onde se vive com garra e paixão. De pose altiva e perfume francês, a capital da Argentina pode ter caído, mas caíu de pé. E o tango? Não vou escrever sobre tango, vou escrever sobre amor.
Não consigo resistir. Tenho que confessar desde já que estou apaixonada. Irremediavelmente, loucamente, sem sentido e sem razão, sem porquês e sem respostas, sem nada, mas com tudo, como só se pode estar quando se está verdadeiramente apaixonado. Foi assim, à primeira vista e para todo o sempre. Mal saí do avião e pisei em terra firme, senti um baque no coração, uma saudade daquilo que ainda não tinha vivido e rendi-me à evidência: Buenos Aires. Afinal não são precisas duas pessoas para nascer uma grande paixão.
Por isso, caro viajante, aviso já que este não será um relato objectivo, uma descrição pormenorizada e cientificamente comprovada do bom e do mau da capital argentina. Esta será sim, a história de um amor, arrebatador, sem igual. Porque Buenos Aires é assim, nada mais, mas puramente tudo. Grande, latina, imponente, majestosa, com garra e sangue quente.Com vida e com gosto por viver, sem tabus, sem conceitos nem preconceitos, ao sabor do vento, mas com sentido, com um passo firme, com orgulho em ser quem é. Porque sabe que é bonita, interessante, culta e charmosa. Porque sabe acima de tudo que tem personalidade própria, que tem querer, que tem fibra. Sempre alcunhada de Paris da América Latina, Buenos Aires é muito mais do que isso. É muito melhor do que isso. Deixem Evita, Gardel e Che Guevara descansar em paz, não vale a pena um regresso ao passado, Buenos Aires é presente. E que presente.
Por tudo isto aqui estou, a escrever estas linhas, sentada no Bar Uriarte, em pleno Palermo Viejo, o Soho cá do burgo, que poê os Sohos de Nova Iorque e de Londres rendidos à sua própria insignificância. Ao som de um tango de batida hip-hop, à beira do jardim interior, deliciada com o melhor brownie do mundo. Exagero? Venha até cá caro viajante, experimente e vai ver se volta para o nosso rectangulozinho à beira-mar semeado. Eu por mim fico por aqui. Para sempre. Ou quase. Nem que seja só em desejo.
Mas começando por partes. Afinal o que é que faz Buenos Aires uma cidade única? Tudo. Pronto, vou tentar ser um bocadinho mais especifica.
E começando, começo pelo melhor: La Recoleta. O bairro mais chique da capital Argentina, de avenidas largas, mansões imponentes de arquitectura neoclássica, porteiros de fraque e cartola, lojas de topo de marcas mundiais e designers nacionais. Do design hippie chic de Cat Ballou, a Ralph Lauren, passando pela Luis Vuitton, a Armani ou a Cartier. Tudo isto ladeado por jardins imensos, onde os porteños (nome pelo qual são chamados os habitantes da capital argentina), se passeiam aos fins-de-semana entre um gelado na Persicco (indiscutivelmente a melhor gelataria do mundo e não admito discussão), um cappucino no café mais histórico da cidade, La Biela, e uma volta pelo fantástico shopping Buenos Aires Design.
E não é possivel falar da Recoleta sem falar do Alvear, considerado não só o melhor hotel da cidade como um dos melhores hóteis do mundo. Percebe-se porquê. Inaugurado em 1932 e desde então ponto de encontro da alta sociedade porteña, o Alvear conserva até hoje o charme clássico, os traços Luis XIV, os lustres imponentes, os elevadores com ascensorista de luvas brancas, o serviço de chá da Limoge. Pequenos detalhes que fazem com que este seja o hotel escolhido pelas familias reais do mundo inteiro aquando em passagem pela cidade. Não estranhe se se cruzar com o rei Juan Carlos ou George Bush no buffet do pequeno almoço, ou com o imperador do Japão no lobby. São coisas que acontecem e no Alvear acontecem quase todos os dias.
Mas Buenos Aires, cidade de charme, capital da paixão não é só a Recoleta, é mais, muito mais. É também Palermo Viejo, o grande bairro boémio da capital, florescente de lojas de design, restaurantes ecléticos, galerias de arte, ruas cheias de argentinas lindas. Por aqui sente-se o pulsar da movida porteña, com um estilo muito trendy, mas sem perder a personalidade bem latina.
Por Palermo, desde manhã a altas horas da madrugada, a vida corre, vibrante, original. Ao ritmo do último chill out, entre uma salada de salmão e queijo brie no Mark’s Deli, ao almoço; ou uma parrillada no La Cabrera, ao jantar, o dia segue pela noite fora. Não há o culto dos bares ou das discotecas, há sim o culto da mesa, da conversa entre amigos ao sabor de um bom vinho. Janta-se pelas onze, meia-noite, arrasta-se a sobremesa até às quatro da manhã e segue-se para mais um copo de Filipe Rufini 1999 até o sol raiar. E todos os dias abrem novos restaurantes, cada vez mais originais, cada vez mais únicos.
Ficamos com vontade de ir a todos, tenhamos fome ou não, só para estar, só para sentir o ambiente. 1914, um dos muitos restaurantes de Palermo Viejo, é um desses espaços onde apetece ficar. Criado a partir de uma das tipicas casas chorizo –muito estreitas, com dois andares e um jardim interior- o 1914 resume em si próprio a história recente da Argentina. O dono, Gustavo Barriel, trabalhou durante 20 anos no mercado financeiro, mas quando a crise económica abalroou o país em Dezembro de 2001, foi um dos muitos milhares de pessoas que se viu de um dia para o outro sem emprego. Não parou para chorar a sua sorte, arregaçou as mangas, esqueceu o passado e decidiu abrir um restaurante em Palermo. Nasceu assim o 1914, em plena crise, mas sempre cheio. Intrigante? Gustavo explica a que se deve o sucesso, a euforia geral que se vive na cidade: “Somos um povo feliz, podemos ter caído numa grave crise económica mas erguemo-nos, temos a arte de nos reinventarmos, sempre, a cada dia que passa”, explica entre duas garfadas nuns ravioles de salmão com molho de lima. “Não parece que estamos em crise não é? As ruas estão cheias, os restaurantes têm filas à porta, cada dia abrem novas lojas…. somos assim, felizes, gostamos de viver e viver na Argentina é sempre uma aventura. Estávamos tão bem em Novembro de 2001 e de repente em Dezembro acordámos com a corda no pescoço. E o que é que fazemos perante isso?” pergunta com um sorriso trocista. “Vamos para a rua. Não, não nos fechamos em casa, saímos à mesma, vamos jantar fora à mesma, festejamos à mesma, mesmo que não haja grandes motivos para tal. A diferença é que se antes iamos a um restaurante comer um bife, agora vamos na mesma mas comemos um ovo. Bebiamos vinho de 100 pesos, agora bebemos de 50, mas não paramos, não baixamos os braços, não choramos”, salienta o antigo financeiro, de olhos brilhantes, cheio de orgulho.
E esta é a verdade, afiança esta vossa repórter. Sem floreados. Quando os argentinos caiem, caiem de pé. De sorriso. E seguem caminho de passo firme, sem olhar para trás. (Que inveja…)
Assim é fácil perceber que independentemente do buraco económico que se vive na Argentina, Buenos Aires tenha sofrido uma grande revitalização nos últimos quatro anos. Mais com olho nos turistas do que nos locais, já que a moeda nacional está tão baixa, que o turismo tem vindo a subir estrondosamente. Nada de estranhar se tivermos em conta que qualquer um que chegue aqui com euros, facilmente se sente um Donald Trump. E são cada vez mais os que chegam.
Puerto Madero, à beira rio, é um exemplo de uma nova zona da cidade, chamariz de turistas, que tem vindo a ser alvo de uma grande requalificação desde o final dos anos 90. Antigas docas deram lugar a dezenas de restaurantes, entre os quais o Cabana de Las Lilas, considerado o melhor restaurante da cidade para comer uma parrillada- as famosas carnes grelhadas argentinas. Estivemos lá e aconselhamos. Sem qualquer dúvida. Embora seja mais caro do que a média dos restaurantes de Buenos Aires (uma diferença de cinco a dez euros), a carne é simplesmente irresistivel, o ambiente não é propriamente glamouroso, mas uma recriação de um estábulo antigo, com muitas madeiras, mesas redondas e aquecedores na esplanada.
Para lá dos restaurantes, Puerto Madero é também o berço daquele que foi considerado pela Conde Nast Traveler como um dos 50 novos melhores hóteis do mundo: Faena Hotel + Universe.
Uma combinação fantástica do génio francês do design, Philippe Starck e da arte empresarial do estilista argentino Alan Faena. Mais que um hotel, a ideia é quem por aqui passe tenha “uma experiência artistica e cultural”. Quem o diz é Ricardo Manetti, relações públicas. Em pleno lobby de traços medievais, envolto em pesados reposteiros de veludo bordeaux, Manetti, introduz-nos no conceito de que “tudo é possivel no Faena Universe.” Até fazer o check in à beira da piscina ou sentado no bar, já que o Faena não tem recepcionistas nem balcão de entrada. Como substituição, tem “experience managers” que se ocupam em personalizar estadias, realizando os sonhos de cada hóspede.
Para quem ainda não tenha percebido, Manetti explica que “este não é um hotel só para dormir, é sim um ponto de encontro, um local para viver variadas experiências.” “Temos DJ´s diferentes durante todo o dia, temos exposições, concertos de jazz experimental, bossanova, rock nacional, realizamos festas e ainda temos dois restaurantes, um com cozinha puramente argentina, chamado Mercado, outro mais requintado, chamado Bistro.”
Não estamos a falar de um hotel mas de um pequeno mundo, onde nem sequer falta um cabaret, recriado ao estilo de 1900, onde o tango (sim, vou ter que falar de tango,e não, não é kitsch, ou melhor, é kistch, sim, é, mas é apaixonante, é vida, é sangue, é alma) é recriado desde os primórdios, num cenário de prostíbulo, onde não faltam todos os clássicos da música nacional.
Regressamos ao principio do século passado, uma sala pequena, fumo espesso, um ar misterioso embrulhado em veludos encarnados, cadeiras de talha dourada, um piano de cauda a um canto, um balcão corrido. Cantam-se velhos tangos com voz sofrida, trocam-se passos com fulgor, “Quiero tus lábios para besar” canta o galã da noite e eu rendo-me. Já não saio daqui antes das cortinas se fecharem. Nesta lingua quente as palavras ganham outro calor.
Saio com as mãos a arder de tanto bater palmas, saio com o coração preso às mãos. Depois de tanto, impômo-nos a nós próprios uma ceia fenomenal e rumamos ao bairro de Belgrano. Sucre, o restaurante do momento. Ou como diz o enólogo residente Fernando Ferraro, “vir ao Sucre é como ir a Paris e ir ver a torre Eiffel.” É bem possivel. Na Time Out local este aparece como o restaurante onde se deve ir se só tiver uma noite em Buenos Aires. Isto caso consiga uma mesa. Não é fácil, garantimos (reservar antecipadamente é obrigatório). Chegámos por volta da uma da manhã e mesmo assim tivémos que esperar cerca de meia hora. Mas vale a pena, isso sem dúvida. Desde o design neo- industrial, ao beautiful people que aqui se reúne diariamente – Valeria Mazza é uma das presenças assíduas – passando pela cozinha a cargo do talento de Fernando Trocca, Sucre não é só o restaurante da moda. É “o” restaurante.
Todos os pratos são feitos num forno a lenha, a garrafeira tem mais de 10 mil garrafas de Mendonza a Bordeaux, a cozinha é de bases latinas mas com inspirações orientais, os pratos são confeccionados à nossa frente, tal qual se tratasse de um espectáculo, onde no fim, o espectador em vez de bater palmas, come. E nós comemos. E bebemos. E queremos repetir. Dentro em breve. O mais brevemente possivel. (Já disse que estou apaixonada?)
Mas Buenos Aires não é só comida, embora esta seja dos deuses, Buenos Aires também é festa e quando se fala em festa é impossivel não falar em San Telmo, o bairro onde nasceu o tango (não há como fugir, a Argentina é música, e música é… tango).
Aos Domingos durante o dia, a movida porteña passa por aqui. Mais propriamente pela feira de San Telmo, em plena Plaza Dorrego, entre o fashion e o retro, o avant garde e o romântico. Bancas e mais bancas onde se pode encontrar de tudo, desde calendários de parede de 1951 a rádios alemães de 1957, passando por bobines, meias rendadas, jogos de facas, capacetes da I Grande Guerra, LP’s dos primeiros discos dos Beatles, ou a edição da Life de Julho de 1954. Pelas ruas em redor o espectáculo são as pessoas, de todo o género e feitio, entre bandas de rock e comédia a teatros de marionetas, a bailarinos de tango.
Lorenzo Batina, velho argentino de cara esculpida a espátula, fato branco e lacinho preto recria Carlos Gardel numa esquina da praça central. Laura Santino, brasileira de S. Paulo trauteia a Garota de Ipanema de viola em punho. Cecilia Mellot, manequim francesa em digressão pelo mundo veio à procura de um colar de pérolas e prepara-se para voltar para casa com um vinil de tangos de 1972. Acabamos na varanda do El Balcon de La Plaza, a beber umas Quilmes – cerveja nacional – e a comer umas empanadas, com vista sobre San Telmo, a ver um último tango ao cair da noite. Uma brisa quente e uma saudade infinda. Já vos disse? Estou apaixonada. É assim Buenos Aires, uma grande senhora de perfume francês e decote generoso. Lábios quentes e pose altiva. É assim Buenos Aires, terra de mi passion. Partimos amanhã. Digo até já para não dizer adeus.
Blog Comments
Ana Bizarro
26 de Junho de 2016 at 16:03
Olá Catarina,
Gostaria de lhe perguntar se conhece algo mais em conta do que os hotéis magníficos que fala de Buenos Aires. Vou lá ficar 2 semanas e somos 4. Pode ajudar-me sff.
Muito obrigada, Ana Paula
pelomundo13
5 de Julho de 2016 at 17:41
Olá Ana tenho todo o gosto em ajudá-la. Eu tenho um serviço de consultadoria e aconselhamento de viagens – http://follow-me.com.pt -. Envie me um mail para [email protected] com as datas certas e eu envio lhe um plano e respectivo orçamento. Já têm os voos, certo? Ou quer que eu também inclua na proposta?
Catarina