E há 3 anos estava por Cuba… e estava tão bem

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“A nova Cuba

Cinquenta anos depois do embargo norte-americano, Cuba está cada vez mais longe de Fidel e mais perto do capitalismo. Já há internet, telemóveis, Coca- Cola e até já se pode comprar casa e carro, torradeiras e microondas. Mas o ordenado médio continua a rondar os 20 euros mensais. Retrato de um país que vive o presente com um pé no passado e outro no futuro.

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Lídia tem 35 anos, uns olhos escuros, um cabelo longo, preto, sedoso. Um filho de cinco, um divórcio há três. E um corpo voluptuoso, produto de muitos anos a comer “mouros e cristãos” – prato tradicional cubano composto de feijão e arroz.

Lídia tem um olhar alegre e em cada passo mais parece que dança. A sua voz canta e o seu riso ecoa, dia após dia, pelas ruas de Havana Vieja, onde abriu há cerca de dois anos um pequeno “salão de beleza”. Cinco metros quadrados, paredes com a tinta a descascar, duas cadeiras de pele gasta, um secador de pé alto, uma vasilha e muito boa vontade.

Lídia faz parte dos 350 mil cubanos que se lançaram em micro negócios desde 2008, altura em que começaram a ser implementadas as novas reformas económicas pelo presidente Raul Castro.

“Tirei o curso de análises clínicas, trabalhei num hospital durante uns anos a ganhar 15 euros por mês, depois vim para casa e abri um cabeleireiro clandestino. Há dois anos com as novas leis que permitem os negócios privados, consegui abrir as portas à rua e deixar de me esconder”, explica entre o barulho do secador e o da música do rádio sempre ligado.

“Agora ganho três ou quatro vezes mais por mês, já consegui fazer algumas obras, enfim, tenho esperança no futuro”, afirma de sorriso largo e boa disposição permanente. “Isto vai mudar, isto vai ser melhor”, acredita. Lídia e não só.

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Quatro anos depois de Raul Castro ter começado a impor as novas leis económicas, são muitos os cubanos que têm fé que o seu país está no caminho certo para mudar de rumo.

Embora continuem há mais de cinco décadas com a alimentação racionada – ½ quilo de carne de porco a cada 15 dias, ½ quilo de carne de vaca a cada dois meses, etc…– a mini abertura capitalista empreendida por Raul Castro, devolveu sorrisos a muitos dos 11 milhões de cubanos que vivem na ilha.

Hoje em dia já se pode comprar casas e carros – antes de 2008 só se podia fazer troca directa – já se pode ter negócios privados, já se pode ter telemóvel e computador ligado à internet. Mas tudo tem um preço. E um preço que continua caro demais para a maioria dos cubanos.

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“Antes não tínhamos liberdade para comprar, agora já podemos comprar, mas continuamos a não o poder fazer porque não temos dinheiro”, explica Miquel, 38 anos, taxista em Havana.

“Ter internet em casa custa cerca de 80 euros por mês e um médico ganha cerca de 25 euros mensais. Fazer ou receber chamadas num telemóvel custa cerca de 50 cêntimos por minuto, comprar uma casa velha custa cerca de 100 mil euros, tudo preços que para a maioria dos cubanos são incomportáveis.”

Na agricultura,  que em tempos foi uma das grandes fontes de riqueza da ilha, com as plantações de cana de açúcar e tabaco, “a incongruência continua”. 146 mil pessoas receberam permissão para plantar em terras do Estado, mas “a maioria destas não tem dinheiro para comprar material para as cultivar, é tudo à base de carros de bois e enxadas”,  explica Miquel que, apesar de tudo, acha que o futuro irá ser melhor que o passado. “Antes éramos todos pobres, agora já há alguns menos pobres”, afirma, enquanto exibe com orgulho os seus jeans Levis e os seus ténis Nike.

Estamos em frente ao Capitólio, maior ainda do que o de Washington, bem no centro de Havana e Miquel baixa a voz quando fala sobre o Governo e olha em volta, desconfiado. Fotografias, essas, nem pensar.

“Aprendemos a ser assim, são muitos anos sem liberdade, sabe quantos cubanos fugiram do país desde a revolução de 1957? Cerca de 2 milhões. E quase 10 mil morreram nas balsas a tentar ir para Miami. Até há uns anos atrás, acredito que só continuava em Cuba quem não tinha conseguido fugir… hoje em dia é diferente, Fidel está velho, Raul é mais aberto, as pessoas estão com esperança.”

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E isso vê-se. Nas noites quentes, o Malécon – a marginal de Havana – enche-se. Milhares e milhares de pessoas junto ao mar, muita música, muito rum. Aos Domingos à tarde, as ruas do centro ficam cheias – não só de turistas mas de muitos locais também. Há filas para comprar gelados e churros.

Na Plaza Vieja abriu uma loja da Benneton e da Pepe Jeans, uma da Paul and Shark e outra da marca suíça Victorinox. Junto a Obispo, a principal rua de comércio da cidade, encontra-se uma loja da Adidas. Nos centros comerciais no bairro Vedado há lojas a vender ténis All Star e whisky Chivas Regal.

Nos restaurantes, em que antes era proibido a entrada a cubanos, hoje em dia já se vêem vários, a deliciarem-se com as novas iguarias.

Quem se lembra de em Cuba só se comer porco e frango, pasme-se. Dois exemplos: no “paladar” – restaurante em casa particular – La Guarida, algumas das especialidades são camarões com molho de lima e carpaccio de pargo. No La Fontana, outro “paladar”, a ementa sugere ceviche e filetes com molho de gengibre e mel.

Mas se não é só para turista, quem são os locais que têm dinheiro para pagar 20 euros por uma refeição? 80 euros por uns ténis ou 120 por uns jeans?

Júlio, empregado de mesa num café da Plaza de Armas explica o fenómeno.

“A maioria dos cubanos residentes têm familiares exilados que mandam dólares.  Também há muitos cubanos a trabalharem no turismo que recebem gorjetas em peso convertível – a moeda forte local.”

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A verdade é que, segundo um artigo publicado na revista brasileira VEJA,  na década passada só 2 por cento da população de Cuba trabalhava em contacto com turistas e nos últimos dois anos este número subiu para 8 por cento. Exemplo disso é a pequena cidade colonial de Trinidad, onde há mais de 300 moradores locais a alugar quartos a estrangeiros.

“A abertura dos negócios privados fez com que fosse possível começarmos a ter novamente uma classe média e uma classe média-alta”, explica Júlio.

E são estes que não poupam. Jantam fora, compram nas lojas mais caras, fazem férias em resorts…. desde que possam chegar de carro.

“Quem é cubano só tem acesso aos “cayos” – pequenas ilhas com empreendimentos turísticos – onde se possa chegar por estrada. Se se tiver que apanhar um barco ou um avião já não é permitido. Porquê? Porque o Governo assim o diz. Devem ter medo que num barco ou num avião ainda possamos sequestrar o comandante e aproveitar para fugir”, explica Júlio, com um encolher de ombros.

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Numa sociedade a cambalear entre os valores da revolução cubana e a atracção pelo capitalismo, os cartazes revolucionários ainda pemanecem a enfeitar as ruas. Tentam manter acesa a chama de Che Guevara, aclamar pelos ideais socialistas, apontar as culpas ao boicote norte americano, como o responsável por tudo o que de mau aconteceu em Cuba nas últimas décadas.

“Todo por la revolucion”, “Gracias Che por tu ejemplo”, “Al capitalismo no volveremos jamás”, e desenhos de punhos cerrados a esmurrar o “Tio Sam”, são alguns dos muitos “outdoors”que se vêem espalhados pela ilha.

Ao contrário destes, os cubanos parecem estar longe de ter algum coisa contra os americanos e contra o capitalismo. Bebem Coca-Cola, comem batatas fritas Pringles, adoram os gelados da Nestlé, usam t-shirts com figuras da Disney estampadas, são fãs de baseball e de cadeias de “fast-food” (ainda só há nacionais).

“Para os cubanos hoje em dia a revolução é um bocadinho indiferente, queremos é ter qualidade de vida”, explica Pablo, 78 anos, muitas memórias, muita esperança passada e futura. Já viveu de sonhos, agora vive dos quartos que aluga em sua casa no centro de Havana. Um primeiro andar de tectos altos e ar apalaçado que já teve melhores dias.

“Como tudo neste pais, já tivemos melhor, mas já tivemos pior. E a culpa não é dos americanos, é nossa, que conseguimos destruir o que de melhor tínhamos”, afirma.

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Recordando outros tempos, não tem qualquer pejo em dizer que foi completamente revolucionário. “Acho que até tive uma boina como a do Che”, confessa. “Éramos jovens, tínhamos a fé que estava a ser feito o melhor para todos nós, depois… bem, depois é que começou se a ver que as coisas não estavam a ir bem pelo rumo certo.”

Durante anos, Pablo pensou fugir, depois começou a ver familiares e amigos a partirem, começou a ver muita gente a morrer, começou a pensar que mais valia ficar junto dos seus. Dos que restavam. Até hoje. “Mas hoje já é diferente”. Hoje Pablo tem novamente esperança. E uma torradeira e um ar condicionado e um microondas. Tudo produtos que era impossível comprar até há 4 anos atrás. “Acho que estamos a melhorar, aos poucos mas estamos, acho que Raul está a ir pelo caminho certo… acho que sim.” E volta a sorrir. Como quando tinha 18 anos e usava boina. “Ainda vamos ser um grande país. Temos sol e temos alegria. Só nos falta dinheiro”, remata de olhos a brilhar.

Catarina Serra Lopes”

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Artigo originalmente publicado na revista Tabu do jornal SOL.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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