E por falar no Chile

Aqui vai a minha reportagem sobre a costa chilena:

Entre as vinhas e o mar

Para lá dos Andes, estende-se uma costa distante repleta de praias desertas à beira do Pacifico. Catarina Serra Lopes esteve lá. Entre vinhas de renome internacional e estâncias balneares de elite, à descoberta de algumas das ondas mais perfeitas do planeta. Uma viagem dedicada so surf e ao vinho.

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Não é possivel falar do Chile como se de um só país se tratasse. O Chile é mais. Mais que não seja pelo seu tamanho e pelas diferenças que concentra num território tão vasto quanto remoto. Quatro mil e trezentos quilómetros do outro lado do mundo, cheios de montes, vales, lagos, mar e vulcões, com um deserto num extremo e glaciares no outro. Uma cordilheira de neves eternas a separá-lo do mundo, um oceano a cortar-lhe a fuga para o horizonte.

Terra de poetas, coliseu romano do general Pinochet, país de 15 milhões de pessoas, o Chile é mais do que uma nação, é uma ilha no mundo, tão diferente de todos os outros recantos, como variada entre si. Por isso, escolher um só destino de viagem em tão ampla diversidade, se revelou uma tão complicada empreitada. Entre o fulgor citadino de Santiago, os planaltos áridos de São Pedro de Atacama e as planicies geladas de Puerto Montt, troco voltas, leio histórias e desfaço mapas, acabando por me decidir pelo mar, talvez levada pelo fascinio do oceano, certamente convencida pelas palavras de Cecilia Blackburn, chilena de porte aristocrático que conheço em pleno aeroporto de Buenos Aires, depois de uma travessia atlântica.

Tal como a grande maioria dos chilenos, também Cecilia de cabelo louro pardo e olhos azuis brilhantes descende de europeus, “sangue britânico made in Norwich”, segundo sublinha logo à primeira troca de palavras na sala de embarque. Tudo porque estou a ler um livro de Isabel Allende, chilena de renome internacional e sua escritora de coração. “Vai para o Chile?”, pergunta-me de sorriso forte, apontado para o livro entreaberto  no meu colo. Respondo-lhe que sim, que vou para o Chile, pela primeira vez, e o quão vago isso pode ser. Montanhas? Deserto? Glaciares? Cidade? Confidencio-lhe a minha indecisão, o meu gosto por viagens erráticas, a minha tendência para os caminhos que se vão abrindo à medida do desejo. Escuta-me com curiosidade, pergunta-me de onde venho, lança um “Italian?” hesitante, mas ganha o meu apreço por revelar saber onde é Portugal, declamar alguns versos de Camões e ser fã do Cristiano Ronaldo.

À entrada do avião já conversamos animadamente sobre a América Latina e o mundo em geral, Cecilia descreve-me Santiago, onde mora, fala-me dos glaciares e do deserto.

Acabamos por nos sentar lado a lado e nas poucas horas de viagem fala-me do seu país descreve-me os seus conterrâneos. Conta-me histórias de uma terra “que é uma autêntica força da natureza, de gentes fortes e rudes, que aprenderam na pele o que é lutar.” Fala-me de horizontes distantes, de terras remotas, dos terramotos que abalaram o país, da ditadura militar que o deitou por terra. Por fim, diz-me em jeito de segredo: “Vá para o litoral, siga o caminho da costa, descubra o Chile igual a si mesmo, de gentes simples, praias desertas, mar bravo, escarpas e dunas. Vai ver que nunca viu nenhum sitio igual.”

Despeço-me à chegada a Santiago, depois de meia hora a rasar os Andes nevados, decidida a seguir o concelho da minha nova amiga de coração chileno e sotaque europeu.

Alugo um pequeno Chevrolet vermelho berrante e faço-me à estrada para quinze dias de ondas magnificas, peixe fresco e marisco a rodos. Pequenas enseadas, mar bravio, entre brumas de mistério por uma estrada serpenteante no meio de dunas e montanhas.

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Durante quinze dias, percorro mais de seiscentos quilómetros, da grande cidade de Santiago a Zapallar, no litoral Norte, pequeno reduto de Verão da elite chilena. Daí parto rumo a Sul, sempre pela beira-mar, rumo às mundialmente famosas ondas de Pichilemu. Fujo das grandes metrópoles balneares de Viña del Mar e Valparaiso, centros de torres gigantes e shoppings atulhados. O Chile é mais e melhor. É sabor a maresia, é mar bravo. São pelicanos à beira das falésias, leões marinhos aninhados nas escarpas. É areia escura, cabanas de madeira à beira-mar com vista para o pôr do sol. É pisco sour com limão e gelo, bebido fresco em pequenos tragos. São bikinis de dia ao sol quente e polares macios para enfrentar o frio da noite, cervejas geladas, pés descalços e amendoins. São pessoas do mundo inteiro vindas pelas ondas, cabelos loiros, peles tisnadas. Em Pichilemu. É marisco de nomes estranhos e sabores do mar. E Cabernet Sauvignon. E Carmenére. Desde o mar aos Andes, por vinhedos separados por rosas. O Chile é tudo isto e ainda mais. E ainda melhor. E ainda mais autêntico.

Zapallar – A Europa na América Latina

Estou no Chile, mas podia estar nos Alpes. Zapallar são montes e mais montes à volta de uma baía de águas calmas, carregados de pinheiros e outros que tais. As casas, todas lindas de cair para o lado, são na sua maioria em madeira, com telhados em V para a neve escorregar. Mas por aqui nunca neva e a vegetação original também é um bocadinho mais para o árido. Mudança de clima? Não, “mudança de povo”, explica-me Jorge, senhor dos seus 70 anos de rugas traçadas a espátula, único mordomo do único hotel de Zapallar, terra escondida onde se reúne a elite chilena durante os meses de Verão.

Ao sabor de umas empanadas de marisco no Hotel Isla Seca, na esplanada de mesas de ferro forjado, numa varanda debruçada sobre o mar, Jorge explica-me qual o sentido alpino desta terra que em dias foi latina. “Com a grande emigração alemã, suiça e inglesa, o Chile tornou-se uma grande mistura de raças, nacionalidades, gostos e quereres. Muitos deles chegaram cá fugidos da I e da II Guerra Mundial, trouxeram fortuna, fizeram-na crescer mais ainda, mas continuaram sempre com o sabor amargo da saudade.” Daí, terem procurado fazer de alguma da terra do Chile, “um pouco da sua terra também”, explica Jorge, de origem índia. “Zapallar é uma desses redutos chilenos onde só se vêem descendentes de europeus. Quase toda a gente aqui é loira, de olhos azuis, têm apelidos ingleses e alemães, comem salsichas com puré de batata e bebem cerveja em vez de vinho”, descreve com uma careta, enquanto encolhe os ombros. “Daí as casas serem todas de estilo alpino, embora por aqui nunca neve. Existem mesmo algumas casas que foram construídas na Europa e vieram logo inteiras para cá. Foi só chegar e colocá-las, exactamente como vieram, pedra por pedra. Estranho? É assim, como uma micro –sociedade”, explica o velho mordomo.

Uma micro-sociedade que alberga em si as grandes fortunas do país. Presidentes, administradores, embaixadores e grandes empresários do Chile fazem questão em ter casa em Zapallar. Por três meses de Verão, entre Dezembro e Fevereiro é aqui que se reúnem, entre as suas mansões, a praia da baía e dois restaurantes. Nada mais. Tudo pensado para que “Zapallar não cresça muito”, como explica Angel Veldés, empregado de mesa há mais de 36 anos no restaurante Cesar, mesmo sobre a praia de Zapallar. “É suposto que esta continue uma zona de elite, não vale a pena democratizá-la. Já vi os avós, os pais, agora vejo os netos e por aqui vou ficando. Já dei de almoçar e jantar a gerações inteiras. Grandes familias, grandes nomes da sociedade chilena, aqui por Zapallar tem-se construído muita história”, afirma com orgulho. De smoking e lacinho à beira da esplanada de telhado de colmo, aconselha-me a experimentar um congrio à la plancha, “peixe rei do mar e um dos maravilhosos tesouros da cozinha chilena”, tal como o descreve. Fico rendida à apresentação. Em Zapallar, entre mergulhos no mar (sim, a água é gelada, mas tentadora), tempo para ler, descansar, passear, vale a pena comer. E bem. Experimentar tudo, porque se está no Chile, tudo vale a pena. Entre o Cesar e o Chiringuito, outro dos dois restaurantes de Zapallar, fico-me por ambos, em longas tardes de preguiça e gula. À beira de um pontão, num dos extremos da baía, entre pequenos barcos de pescadores e pelicanos que vêm comer à mão, é sempre tempo para experimentar os mariscos da zona. No Chile, há dos mais banais  aos únicos e raros. Dos langostins às ostras, dos camarões às ameijoas – já descascadas e com muita cebola e alho- até às machas e aos picorocos – marisco local de impossivel tradução -, puro sabor a mar. A acompanhar um pisco sour, bebida tradicional chilena, qualquer coisa parecida com a cachaça brasileira ou a aguardente portuguesa, mas servida com sumo de limão e gelo. Por aqui fico durante uns tempos com tempo e maresia, antes de me fazer novamente à estrada, duzentos quilómetros para sul, continuando pela beira-mar, mas agora em direcção às ondas.

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Pichilemu – Ondas e vinho

Podia falar só do pôr –do-sol de Pichilemu, pequena vila de mar e sonhos no litoral chileno. Do pôr-do-sol, das cabanas de turismo rural, das cervejas Cristal ao final da tarde com os pés descalços sobre as searas, do peixe grelhado à noite no restaurante Azul Marino, directamente do mar para o prato. Podia só falar dos amanheceres no meio do prado, com o mar ao fundo, estendido ao longo de quilómetros de areais desertos, das casinhas térreas, da cor do céu. Dos australianos, americanos, argentinos e europeus que se cruzam pelas ruas do pueblo, de peles tisnadas e sabor a sal. Numa doce preguiça, num ritmo de Verão. Podia só falar das vinhas do Vale de Colchagua que desde meados do século XIX deliciam meio mundo com as suas colheitas, as melhores das melhores entre todas as castas chilenas.

Podia falar de tanta coisa que tudo isso seria Pichilemu, pequena vila costeira, entre o mar e os Andes. Mas se não falar das ondas que lhe deram a fama, não estarei a falar de quase nada.

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Internacionalmente reconhecida pelos surfistas de todos os mares, eleita por diversas vezes como o terceiro melhor spot para surfar a nível mundial é em Pichilemu que acorrem durante todo o ano pessoas de todas as nacionalidades, de prancha debaixo do braço e adrenalina nas veias. Comparada a Bali, tem não só uma onda mais que perfeita, mas várias, todas esquerdas, cada uma com uma magia diferente. De Puntilla, com tubos e secções perfeitas para manobras, a Infernillo, a onda mais pesada de Pichilemu, a Punta Lobos “onde as ondas entubam muitas vezes por mais de 500 metros, com uma magia nunca antes vista em mais lado nenhum de todo o globo.” Quem o diz é Joseph Kent, alemão de Dusseldörf, amante do surf desde os 10 anos e apaixonado por Pichilemu desde os 21. Por aqui está há mais de seis anos, entre o surf e a pesca, decidido a fazer desta a sua vida. “Fiquei pelas ondas, pelo ambiente calmo do campo, mas ao mesmo tempo cosmopolita pois encontram-se aqui pessoas do mundo inteiro. No fundo, uma mistura fantástica entre o campo e uma onda vibrante”, segundo explica com os olhos brilhantes. Ao final da tarde, junto a Punta Lobos, a tentar adivinhar como estarão as ondas da manhã seguinte, de mãos enfiadas nos bolsos do polar, a meio de uma lata de pisco sour. “Sinto que o mundo passa por aqui e aquilo que não passa é aquilo que não interessa”, garante com um sorriso.

Opinião idêntica à de Mariana, cinquenta e alguns anos, argentina de Mendonza, lá por terras dos Andes, trocou o seu país natal há apenas um ano atrás, pelas terras do mar e do vinho. Acompanhada pelo marido e pelo filho mais velho, resolveu dedicar-se à vida calma do litoral chileno e apostar as suas forças e as suas economias em cinco cabanas de turismo rural. Todas de madeira, com quartos em mezanine e grandes janelas viradas para o mar. “O ideal para quem quer sossego, no meio de uma paisagem única, com bom ar, bom peixe, bom marisco”, garante a argentina. E eu estive lá e comprovo. Do melhor. Sem menos, mas com muito mais.

 

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Falta falar do vinho. Mesmo ali tão perto, vale a pena uma visita, apenas uma manhã ou uma tarde, longe do mar, mas já a caminho das montanhas. No Vale de Colchagua, considerada a melhor zona vinicola do Chile. Elas aí estão, as vinhas, muito verdes ao sol, 21 mil hectares de fileiras certinhas separadas por roseiras, começaram por ser da zona de Bordeaux, directamente vindas de França, hoje já são de toda a variedade, mas sempre tinto.

Aconselho a rota do vinho, pelas adegas da Casa Silva, da Siegel, da Montgras, num total de 27 vitivinicolas, com direito a almoço de parrillada – carnes grelhadas tipicas da região – e prova dos sabores etilicos da terra. Num dia único. Mesmo à beira dos Andes, mesmo no meio do Chile.

 

Catarina Serra Lopes

 

Guia de viagem

 

Como ir:

 

A Air France voa todos os dias, excepto ao Domingo, de Lisboa para Santiago do Chile. Bilhetes a partir de 687 euros no site www.airfrance.pt. A Iberia voa também a partir de Lisboa, de Sábado a Quarta, com preços que começam nos 921 euros. Procurar no site www.iberia.com. A viagem dura cerca de 12 euros.

 

Alugar carro:

 

Logo no aeroporto de Santiago do Chile é possivel alugar um carro numa das principais rent-a-cars mundiais ou numa das nacionais. As de renome internacional têm vantagens a nível dos seguros que incluem e da conservação dos automóveis. As nacionais têm a a vantagem do preço. Entre umas e outras o aluguer diário de um carro começa entre os 25/45 euros.

Um conselho: siga directamente do aeroporto pela estrada que liga este a Viña del Mar sem passar pelo centro da cidade. O trânsito é caótico e a condução chilena consegue ser ainda mais perigosa que a portuguesa.

 

 

Onde ficar

Zapallar

Como já vem referido no texto principal, Zapallar só tem um hotel, o que simplifica a escolha. Numa antiga mansão senhorial, o Isla Seca tem 36 quartos, todos com vista para o mar. Um restaurante, um bar e uma piscina com esplanada, sobre a falésia e a baía de Zapallar. Tudo num estilo muito british.

A escolha ideal para uns dias de descanso, entre uns mergulhos no mar, umas tarde de chaise longue à beira da piscina.

Quartos a partir de 60 euros para duas pessoas.

Pichilemu

Como qualquer boa vila dedicada ao surf, não faltam quartos, apartamentos e cabanas para alugar. Embora não exista propriamente nenhum hotel de cinco estrelas por estas paragens, a Posada Los Cardos assemelha-se a um bocadinhodo paraíso. A 500 metros de Punta Lobos a e a pouco mais de cinquenta quilómetros das vinhas de Vale de Colchagua, conte apenas com cinco cabanas no meio dos prados, com uma fantástica vista para o mar e um camarote privilegiado para o pôr-do-sol fantástico que todos os dias cai sobre esta zona.

Fiz uma reserva para dois dias e acabei por ficar cinco. Fui-me embora a custo. E não é preciso dizr mais.

Cada cabana tem capacidade para seis pessoas e custa cerca de 40 euros por noite.

 

Onde comer

Zapallar

Existem três hipóteses: o restaurante do Hotel Isla Seca, no meio de pinheiros e com vista para o mar; o restaurante Cesar, com lareira para os dias frios e esplanada na praia para os dias quentes; e o Chiringuito, tipica cabana de pescadores, em plena baía de Zapallar, converida hoje em dia em restauarante in. Com uma esplanada soberba, cadeiras feitas de tronco de árvore e mesas com tampos de conchas e areia. Em qualquer uma destas opções não perca a oprtunidade de comer marisco fantástico e totalmente diferente do que existem Portugal. Mas não espere uma pechincha, uma refeição para dois anda sempre à volta dos 20 euros.

Pichilemu

Se escolher alugar uma das cabanas dispoíveis nesta vila de surf, tem sempre a possibilidade de cozinhar em casa, pois a maioria delas dispôe de kitchnettes totalmente aparelhadas. Na rua principal da vila não faltam também casas de take away de grelhados, empanadas e afins. Se no entanto preferir comer fora, experimente também o restaurante Azul Marino em plena praia de La Puntilla. Opte pelo peixe, muito fresco. Não se vai desiludir.

Tours pela Rota do Vinho

Para conhecer a fundo o Vale de Colchagua, nada como isncrever-se numa das visitas organizadas. Todos os dias excepto ao Domingo, seja meio dia ou um da inteiro, tem a oportunidade de conhecer a zona dos vinhedos, visitar adegas e provar algumas das melhores especialidades locais. Com direito a parrillada para o almoço e a comprar algumas garrafas de recordação a preços de saldo.

Os tours custam cerca de 50 euros por pessoa para meio dia de vista, ou 60 euros por pessoas para um dia inteiro com almoço incluído.

Para marcar basta telefonar localmente para o 56-72-823199 ou enviar um e-mail com o pedido da reserva para o endereço [email protected].

 

 

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