E por falar no Japão…

A moda nas ruas de Tóquio

Cabelos tingidos de todas as cores, adolescentes em saltos de plataforma, de traje de samurai, de personagem de banda desenhada. Jovens vestidas de enfermeiras, de gueixas, de lolitas. Vale tudo nas ruas de Tóquio, autêntica “passarelle” de uma cultura onde ousadia é a palavra chave.

Tóquio

 

São 13.15 de uma sexta-feira de sol. Kimura e Misako, duas amigas de 16 anos, estudantes universitárias, encontram-se na esquina da Omote-Sando com a Meiji-Dori. Em pleno bairro de Harajuku, um dos bairros mais “fashion” da cidade de Tóquio. É aqui que tudo começou. É aqui que hoje em dia (quase) tudo se passa.

Kimura e Misako não sabem muito de história, mas sabem do que gostam. Kimura cultiva o estilo “Sweet Lolita”. Aparece com um vestido curto de cores claras, flores, rendas, os olhos e a boca maquilhados ao estilo de boneca. Nos dedos, anéis com corações, unhas pintadas de várias cores. A completar, um grande laço cor-de-rosa na cabeça.

Já Misako prefere o estilo “Decora”, com muitas cores brilhantes e acessórios exuberantes. Entre brinquedos, peluches e bugigangas, Misako traz tanta coisa pendurada na roupa que quando anda pela rua é impossível passar despercebida com o barulho que faz a chocalhar.

“Já fui “Lolita”, já fui “Gótica”, mas agora há duas semanas que adoptei o estilo “Decora”, tem mais a ver comigo”, explica com um  sorriso tímido.

Mikaro fala com um tom de voz muito baixo, tapa a boca com a mão quando sorri, olha mais para o chão do que para os olhos de quem lhe fala. Para quem anda pelas ruas vestida com tanta cor e som, mais parece não querer dar nas vistas. “A forma como eu me visto não é para chamar a atenção, é apenas porque gosto”, explica.

Já Kimaro, explica que adoptou o visual “Sweet Lolita”, porque sempre gostou muito de bonecas e agora pode fingir que é uma delas.

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Kimura e Misako são duas jovens típicas da actual sociedade de Tóquio. Vivem longe do centro da cidade, passam muitas horas por dia a fazer viagens de comboio e de metro, foram educadas com um sistema de regras rígidas e tradicionais, passam os dias entre as aulas num colégio muito exigente (onde usar maquilhagem dá direito a expulsão) e pequenos cursos de preparação para a entrada na universidade. Mas mal têm uma ou duas horas de tempo livre, despem a farda estilo marinheiro da escola onde estudam e “mascaram-se” com as últimas correntes da cultura pop japonesa.

“É a forma de sermos diferentes, de nos destacarmos das outras pessoas”, explica Kimura. Salientando que “há que aproveitar enquanto se é jovem e ainda não se tem emprego, não se tem marido, nem filhos. Aí acabou a vida”

A juventude pode ser uma fase temporária, mas no Japão a moda de rua é um fenómeno que, embora cada vez mais influente, não vem de hoje.

Reza a história que tudo começou em Harajuku no final da década de 70, com o bairro a tornar-se um reduto de adolescentes japoneses fãs do rock americano dos anos 50. As autoridades começaram a fechar ao trânsito algumas ruas do bairro durante os fins de semana e num repente este tornou-se o ponto de convergência de vários tribos. Como no Japão só é permitido frequentar bares e discotecas depois dos 20 anos, as ruas pedestres de Harajuku tornaram-se de um dia para o outro uma grande festa ao ar livre, ponto de encontro de jovens da cidade e dos subúrbios.

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Depois da moda dos roqueiros, veio a moda Takenokozoku, que se caracterizava pelas túnicas brilhantes e coloridas, calças largas e sapatos ao estilo kung-fu. Tudo rematado com acessórios baratos, como apitos de plástico, colares de contas e bonecos de peluche. As sobrancelhas grossas e as maçãs do rosto bem maquilhadas eram o toque final.

Já nos anos anos 90, Harajuku tornou-se o ponto de encontro de bandas de música, com o bairro a transformar-se num grande palco de concertos ao ar livre. É por esta altura que se começou a popularizar o estilo “Visual Kei”. Kyoko, 32 anos, relações públicas, foi em tempos uma das adeptas desta corrente.

“Usava franja com um bico no meio e o cabelo pintado às cores, muito “eyeliner” nos olhos, muita roupa sobreposta, com várias cores e padrões de animais. Mais tarde alinhei na moda “Kogyaru” e andava sempre no solário para ficar com a pele bronzeada, pintei o cabelo de louro e não prescindia das mini-saias e das meias pelo joelho. No fundo foram os melhores tempos da minha vida.” Depois disso, Kyoko acha que nunca mais voltou a ser verdadeiramente ela própria. “Os jovens no Japão só podem romper com as amarras, com as regras instítuidas e serem eles mesmos enquanto estão a estudar, depois disso por mais “fashion” que queiram ser, vêem-se obrigados a trocar o visual excêntrico pela gravata, pelo “tailleur”. É assim, não há volta a dar”, explica com um ar de desânimo.

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São 13 horas de um Sábado e na rua Takeshita, uma das ruas pedestres do bairro de Harajuku é difícil andar tal é a multidão. A média de idades deve andar por volta dos 17 anos e o cenário é tal, que quase pode-se pensar que de repente foi-se parar a meio de um baile de máscaras. É uma prova de esforço conseguir não ficar parado no meio da rua a olhar para os adolescentes que passam. Há miúdas de 15 anos vestidas com mini-mini uniformes de enfermeiras, rapazes com faixas de cabelo pintado de louro, raparigas com sapatos fluorescentes e perucas de cabelo longo, entrançado, a imitar uma boneca de trapos. Vê-se tudo o que se possa imaginar e o que não se possa. As mangas – banda desenhada japonesa – servem de mote de inspiração a muitas das indumentárias. A boneca Licca-chan, versão japonesa da Barbie, também. Há quem se vista mesmo igualzinho ao seu personagem favorito. Esta moda já ganhou o nome de Cosplay (houve há cerca de um mês um encontro de fãs portugueses desta corrente, no Parque das Nações).

A sobreposição de roupas e diferentes assimetrias é essencial para muitos dos “looks”. T-shirts sobre camisas, vestidos sobre calças. Tudo rematado com  muitas rendas, sinos e guizos.  Há quem opte pelo estilo Kigurumi, que se baseia em andar na rua vestido com “pijamas fofinhos”, há quem prefira o estilo Wamono e misture roupas tradicionais japonesas com peças de moda ocidental. Há quem se vista todo de preto, há quem use e abuse das cores. Não há regras, mas se houvesse uma, seria a regra de ter que quebrar todas as regras.

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Kyoko sentada na mesa de um dos cafés da rua, olha com inveja para esta massa de cor. Ela que veste umas “insípidas” calças de fazenda azul escuro, uma camisa azul clara e umas sabrinas.

“Eles é que se divertem, já lá vai o meu tempo. Agora estou igual a todas as outras pessoas da minha idade. Basta chegar ao metro de manhã e não há dúvida, estamos todos iguais, vestidos da mesma maneira, a ir de casa para o emprego e do emprego para casa, não há nada que nos distinga.” E explica: “Uma das razões porque os jovens em Tóquio cultivam tanto estas diferentes correntes de moda de rua, inventam tudo, ousam tanto, é porque é a maneira deles se distinguirem uns dos outros. No Ocidente se juntarmos cinco miúdas adolescentes numa mesa, podemos ter uma morena de olhos verdes, uma ruiva, uma de cabelo liso, uma loira de olhos azuis, uma de cabelo encaracolado, no fundo todas as pessoas são diferentes umas das outras. No Japão isso não acontece. Se juntarmos cinco adolescentes japonesas numa mesa, elas fisicamente são todos muito iguais. Se não for pelo estilo optado, pela roupa, pelos acessórios, seriam todas quase fotocópias, ou pelo menos essa é a noção que têm.”

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Assim, com tanta cultura pop, com tanta tribo urbana, com tantos estilos, eles e elas são todos diferentes. E mudam de dia para dia. Com a moda, alinha-se um consumismo desenfreado, o que estava actual ontem, é Passado hoje. Não há tempo a perder. Pelas ruas de Tóquio, ser jovem é por si só já “fashion”. E ser jovem dura pouco, é um estado temporário. Ou como dizem as duas amigas Kimura e Misako: “No Japão aos 23 anos já se é velho. Por isso há que aproveitar enquanto podemos”, e aceleram de braço dado, a passo rápido para mais uma tarde de compras.

Tóquio

 

 

 

 

 

 

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