Namibia 2ª parte. De Etosha a Swakopmund

De Etosha a Swakopmund.

Acordar ao nascer do sol para um safari é uma sensação incrível. Quase como se estivesse a fazer uma coisa proibida, às escondidas, pé-ante-pé, “shiu, não façam barulho”; é entrar no mundo animal sem termos sido convidados, é observar os bichos na sua vidinha; é ficar pasmo e de olhos a brilhar. “Uau….” É a interjeição que mais se ouve. Ao nascer do sol na savana, já nada dorme. É a hora de caçar, de comer, de aproveitar que a temperatura ainda está fresca.

Mal saímos do acampamento, deparamo-nos com cinco leoas a brincar no meio do capim. Saltam, pulam, parecem gatinhos grandes, de pelo sedoso, quase inofensivas.

Kobus desliga o motor do camião e ficamos longos minutos em silêncio a observar. Quase de respiração contida. Quando arrancamos, não passam dez minutos sem que nos deparemos com outra “cena à Geographic”. Mesmo à beira da estrada, um leão e uma leoa comem o que resta daquilo que parece ter sido um gnu. A caçada foi recente, a carne ainda está fresca, a leoa tem a boca suja de sangue. O leão imponente, olha de alto. Foi ele o primeiro a devorar o manjar, agora é a vez da fémea, são assim as regras de etiqueta no mundo animal.

A partir daqui zebras, girafas e elefantes já pouco nos dizem. Até ao final da manhã ainda teremos oportunidade de ver um leopardo a escapar se pelo meio da vegetação e um rinoceronte negro, espécie em vias de extinção.

Estamos extasiados. Hettie e Kobus confessam que num ano e meio nunca tiveram um dia de safari tão bom.

Dormimos em Okaukuejo, num acampamento à beira de um pequeno lago onde, a partir do final da tarde, vão aparecendo vários animais à procura de água.

Mais uma noite em que dormimos embalados pelo rugir dos leões e o riso das hienas.

De manhã, deixamos Etosha e partimos rumo a Damaraland, zona semi desértica, que segundo nos explica Hettie, é a prova de que no passado, a África e a América do Sul estiveram ligadas, pois a mesma formação geológica que aqui existe é igual à região sul do Brasil.

Acampamos em Twyfelfontein, um famoso local arqueológico, Património Mundial da Unesco, que tem uma das maiores concentrações de desenhos rupestres em África.

Parece que chegámos ao fim do mundo. São quilómetros e quilómetros sem se ver vivalma. Só pedra, terra e pó. À noite a temperatura cai vertiginosamente, acendemos uma fogueira e cantamos músicas tribais com um grupo de locais que veio juntar-se a nós. Kobus grelha bifes de órix nas brasas e bebemos vinho tinto sul africano em canecas de plástico.

Olho para o céu e confesso, nunca vi tantas estrelas juntas. Reconheço a via láctea, a Cruzeiro do Sul. Sinto me tão longe de sitio algum.

Partimos na manhã seguinte com destino a Swapokmund, pequena cidade junto à Costa dos Esqueletos, denominada actualmente como “Capital da Adrenalina”, pela quantidade de actividades radicais que se podem aqui fazer.

Até lá atravessamos horas e horas pelo deserto, até vermos o mar. Foi neste ponto da costa que segundo a história, terá atracado o navegador português Diogo Cão em 1486.  Não é dos melhores cenários para se aportar. Dunas a perder de vista, um mar com um ar gélido e inúmeros barcos naufragados compoêm um cenário desolador. Percebo finalmente o nome “costa dos esqueletos”… quem não morria do naufrágio, morria da fome e da sede ao tentar atravessar o deserto em busca de civilização.

Graças a Hettie e Kobus e ao nosso camião, safamo-nos de tal destino trágico e chegamos a Swapokmund prontos para dois dias de “dolce far niente”… ou quase.

De Swakopmund à Cidade do Cabo

Como já referi linhas atrás, Swakopmund, pequenina cidade de traçado colonial, é hoje em dia intitulada de “Capital da Adrenalina”. Com a proximidade das dunas do deserto da Namibia, existem uma série de centros de desportos radicais que oferecem a oportunidade de explorar a paisagem local de uma forma diferente. Seja num passeio de moto quatro pelas dunas, seja a saltar de para-quedas sobre o deserto, ou a deslizar numa tábua estilo body boarding, dunas abaixo, etc…. Já para quem preferir pouca emoção, resta explorar os restaurantes da zona e aproveitar para experimentar todos os tipos de carne que por aqui se grelha: órix, gazela, antílope, crocodilo, gnu, camelo… etc…

Pela minha parte, fiquei-me pelo passeio de moto quatro, que se assemelha quase a uma volta de montanha russa, tal o tamanho das dunas. Hettie diz que são das maiores do mundo e senti-o na pele. Confesso que desci algumas de olhos fechados.

Deixando Swakopmund, avançamos pelo Parque Nacional Namib-Naukluft, considerado o mais antigo deserto do mundo, com pelo menos 55 milhões de anos. E se há quem diga que o deserto é uma experiência única, não posso deixar de concordar. Pela imensidão, pelas cores, pelos contrastes sol e sombra, pelo silêncio. Se “namib” quer dizer num dos dialectos locais, “lugar vasto”, aqui o nome do país ganha ainda mais sentido.

Ao final da tarde com a subida à duna 45, uma das mais famosas do mundo, a paisagem é de tal forma esmagadora, que sentamo-nos no cume a observar o por do sol em silêncio. Sentimo-nos pequeninos, insignificantes, frágeis, perenes.

África é única, África é linda.

Dia seguinte, com mais deserto e dunas pelo caminho, rumamos ao Fish River Canyon, o segundo maior desfiladeiro do mundo a seguir ao Grand Canyon nos Estados Unidos. É praticamente um dia inteiro de viagem por uma das estradas mais deslumbrantes da Namibia, a C27. Montes, vales, planaltos, planícies a perder de vista.

Chegamos já ao final do dia, já ao pôr do sol, o desfiladeiro é imponente. Há zonas com mais de 500 metros de profundidade. Sento-me na orla a admirar o cair da noite.

Hettie e Kobus fazem a surpresa e jantamos mesmo à beira do desfiladeiro. Um “jantar romântico” a 12, à luz de lanternas.

A aventura por terras de África aproxima-se do fim, na manhã seguinte atravessamos a fronteira para a África do Sul, dormimos à beira do Gariep River, aproveitamos para descansar. Última dia de jornada e chegamos à Cidade do Cabo, uma África já europeizada.

Cidade linda à beira-mar, com a sua majestosa Table Mountain – o planalto de onde se tem vistas soberbas sobre a linha da costa. Cidade cosmopolita, de restaurantes, bares, lojas eclécticas, bares e discotecas “fashion”. Cidade de casas de sonho debruçadas sobre o mar, com a sua marginal ladeada de palmeiras. Cidade de praias a lembrar Miami.

Fim de aventura. Despedimo nos num jantar nas docas Albert & Victoria, comemos carpaccio de gazela e bife de gnu. Fazemos brindes, trocamos endereços, prometemos enviar fotos. E partimos com a certeza que esta viagem não vamos esquecer. E que vamos querer voltar. À Namibia, ou a outra África por certo.

Catarina Serra Lopes

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