Publicada no Sol em Setembro de 2014
“Aventura em África
Pela terra cor de fogo
6 mil quilómetros de camião, de Nairobi a Livingstone, atravessando a Tânzania, Zanzibar, Malawi e Zâmbia. Para recordar para sempre. Entre leões, girafas, picadas, fogueiras, tendas e lodges. Camisolas quentinhas, estradas esburacadas, Jambos e Hakunas Matatas, Maasais de cajado em punho, aventureiros intrépidos em viagem pelo mundo, pó, muito pó. Noites frias, amanheceres molhados, entardeceres sem igual. 28 dias na pele de uma overlander com 14 companheiros de viagem vindos de todo o mundo. Estive por lá e se voltei foi só para vos poder contar.
Há viagens que nos surpreendem, há viagens que são aquilo que são, há viagens que são muito menos do que esperávamos que fossem. E no meio de tudo isto há África. Só o nome já nos emociona, já apela à nossa alma mais romântica. Puxamos ao sentimento, bate-nos o melancolismo e ouvimos dentro de nós a voz profunda de Meryl Streep: “I had a farm in Africa”. Não há volta a dar, quem nasceu por cá, pode nunca ter ido sequer a Badajoz comprar caramelos, mas já de certeza que passou horas a ouvir descrições profundas do pôr-do-sol na savana, dos ruídos da selva durante a noite, do cheiro da terra molhada, do sorriso franco dos nativos. Somos uns nostálgicos, de saudade na ponta da língua, eternamente presos a um continente que já julgámos nosso. Não é preciso mais para explicar o que leva uma pessoa em seu pleno juízo a embarcar numa viagem pura e dura, de camião por terras africanas. Mochila às costas, pó na cara, botas todo o terreno. Chamaram-me louca, confesso, houve quem me tentasse dissuadir, mas fui e voltei. Só para dizer que não há melhor. Que África continua África. Mesmo sem o Robert Redford.
De Nairobi à Tânzania
África não é para pessoas apressadas. Calma é a palavra chave, a vida corre a um ritmo próprio, sem pressas, sem stress. Arrancamos de Nairobi às oito da manhã, estrada fora, horizonte infinito, terra cor de fogo, o Kilimanjaro ao longe. Atravessamos a fronteira, passamos para a Tanzânia, seguimos rumo a Arusha onde chegamos já ao anoitecer. Um dia inteiro para fazer um total de 350 quilómetros. Ao longo das estradas vai-se desfiando a vida local, há pedaços de carne pendurados em troncos de árvore improvisados de talho, há lojas de telemóveis em cabanas de barro.
À noite faz frio, bebemos cervejas Kilimanjaro à volta da fogueira. Somos 15 nesta aventura, há australianos, ingleses, americanos e canadianos. E os nossos guias: Amos do Quénia e Dudu do Zimbabwe, da tribo Zulu.
O despertar é pelas cinco da manhã, o tempo corre devagar, por isso não há tempo a perder. Passamos o dia a atravessar ora montanhas de floresta tropical em redor do Lago Manyara, ora planicies áridas à chegada ao Parque Nacional do Serengeti. Há aldeias Maasai de casinhas de barro e cercas de madeira, há manadas de búfalos à beira da estrada. Paramos numa aldeia Maasai, à nossa volta cantam e dançam, pulam para ver quem é mais viril. Sentam-se à nossa volta e puxam os pêlos das pernas aos homens do nosso grupo. Riem-se muito, pasmados. Rimo-nos com eles. Fazemo-nos à estrada carregados de colares e pulseiras de cores garridas.
Quando avistamos a primeira girafa a atravessar-se no nosso caminho mandamos parar o camião, tal é a excitação. Estamos em África. Isto é África. Uma girafa no meio do caminho, uma familia de elefantes que entra à noite pelo bar do lodge onde pernoitamos, um leão que nos ronda a tenda à noite.
Parque do Serengeti e Cratera do Ngorongora
Falta-nos o ar a primeira vez que olhamos para a cratera do vulcão Ngorongora, a maior do mundo extinta e intacta. Não há palavras. Se as houvesse diria que é um local de sonho. Com lagos de sal e flamingos cor-de-rosa, com piscinas de hipópotamos e planicies com chitas, leões e rinocerontes. Passamos por lá um dia e uma noite. Mal escurece parece que estamos nos Alpes, o frio é cortante, bebemos chá quente e ouvimos as histórias de Amos. Fico a saber que uma mulher para um Maasai vale vinte vacas, que estes só bebem sangue de bovinos e leite e que os elefantes passam a vida bêbados por comerem os frutos da árvore Amarula. Já tarde, a caminho da tenda, cruzo-me com um porco selvagem e a sua cria, a cinco metros oiço o pisar de folhas, olho e vejo um elefante.
Nos próximos 3 dias embrenhamo-nos de jipe pelo Serengeti, uma das maiores reservas de África, com 14 mil quilómetros quadrados e mais de 3 milhões de animais de grande porte. Logo à entrada cruzamo-nos com um leão, mais à frente surpreendemos um leopardo a subir a uma árvore. Há zebras e gnus a perder de vista. À noite janta-se à volta da fogueira de lanterna a apontar para o prato e dorme-se debaixo das estrelas. Não há vedações, não há guardas armados. Ouvem-se os animais. Podia até ser assustador, se não fosse magnifico.
Zanzibar e Lago Malawi
Depois de dias e dias de viagem pelo meio da savana, não há melhor do que um mergulho nas águas turquesa de Zanzibar. Devia ser obrigatório. Por lei. Dormir numa cabana a ouvir as ondas, dar dois passos e mergulhar, beber sumos de frutas tropicais, comer lagosta grelhada. Durante três dias recuperamos forças à beira-mar e voltamos à estrada com o ânimo renovado, rumo ao Malawi. Na fronteira cruzamos-nos com Rick, um motard alemão de rabo de cavalo loiro e fato de cabedal preto. Há oito meses que anda por África, trocamos histórias e dicas. Mais tarde, à chegada ao Lago Malawi, o terceiro maior lago de África, metemos conversa com Alex, israelita, em viagem solitária pelo mundo ao volante de um Land Rover dos tempos da Segunda Guerra Mundial. O jipe está avariado, ele acha que está com malária, mas está feliz. Muito. “África é um mundo à parte, não existe, acho que nunca mais volto ao meu país”, diz-nos de sorriso aberto e cerveja Kuche Kuche na mão.
À noite, à beira do lago, com Amos e Dudu a comandar as operações, armamo-nos em locais e comemos com as mãos nshima – farinha local – com frango guisado. Para acompanhar bebemos chibuku, uma cerveja de fabrico artesanal. É feita a partir de milho, é espessa, de sabor forte e bebedeira garantida. Vende-se em pacotes de litro e meio, vinte cêntimos cada. À beira do lago que parece um oceano, o sol nasce pelas cinco e meia da manhã, acordamos já ele vai alto.
South Luangwa e Victoria Falls
Entro na Zâmbia ao pôr do sol. Não me peçam para explicar porquê, mas é o mais belo pôr do sol que vi até hoje. E será sempre assim em cada dia que passo neste país. Nunca tinha visto até então um sol tão laranja, um céu tão vermelho, tão lilás. Daí ser tão especial um safari à noite em pleno parque do South Luangwa, a maior reserva da Zâmbia, com mais de 100 espécies diferentes de mamiferos.
O safari à noite, em jipe de caixa aberta, começa pelas quatro da tarde, ao anoitecer pelas cinco e meia paramos à beira de um lago, distribuem-se Mösi’s, a cerveja local. Ficamos em silêncio, no meio da natureza a admirar o sol a pôr-se. Se há espectáculos únicos este é um deles. Só voltamos para os jipes depois de escurecer, de lanterna em punho, respiração suspensa. A cada clarão deparamo-nos com um leão, com uma hiena, com um cão selvagem. Estrada fora, escuro que nem breu.
No dia seguinte acordamos pelas quatro e meia da manhã prontos para um safari a pé. O guia vai em frente de espingarda em punho, nós vamos atrás com ar de colegiais, pé ante pé. Basta um de nós pisar um ramo para os corações começarem a bater mais rápido. África é paz, África é romance, África é adrenalina.
Passado quatro dias dias chegamos ao fim, junto às Victoria Falls, do lado da Zâmbia. Chegamos ao cair da tarde, a força do rio Zambezi à nossa frente, a sensação de missão cumprida. Limpamos o pó da cara, trocamos abraços com Dudu e com Amos, batemos palmas a todos, damos os parabéns a nós próprios. Missão cumprida. À noite bebemos um Gin Tónico frente às cataratas e brindamos. Cansados mas felizes. Seis mil quilómetros, 28 dias, quatro países, centenas de histórias, de imagens, de recordações. Por mim tinha ficado, voltei apenas para contar.
A não esquecer
Não esquecer de ir à consulta do viajante pelo menos quinze dias antes da partida. É imprescindivel tirar a vacina da febre amarela e fazer a profilaxia da malária.
Tanto o Quénia como o Malawi e a Tânzania exigem a requisição de um visto de entrada. O pedido têm que ser feito com um mês de antecedência para as respectivas embaixadas.
Clima
As estações dividem-se entre o Inverno que é a época seca de Maio a Novembro e o Verão que é a época das chuvas de Novembro a Abril. No Verão as temperaturas rondam os trinta e muitos graus, no Inverno descem para os vinte e poucos. As noites em geral são frias.
Blog Comments
Gonçalo Forte
31 de Outubro de 2014 at 9:51
Fantástico! Tive a oportunidade de ler este artigo na revista Rumos do Sol e fiquei encantado com a descrição da viagem. A certa altura parecia que também estava lá…
Depois deste artigo, esta viagem passou para o meu top de viagens a realizar.
Parabéns pelo artigo!
pelomundo13
1 de Novembro de 2014 at 8:40
Obrigada Gonçalo, aconselho vivamente, é uma viagem de sonho. Bjs
Gonçalo Forte
25 de Abril de 2015 at 10:54
Olá Catarina, creio que chegou a altura de fazer a tal viagem a África.
Seria possível dar-me algumas informações sobre como organizar uma viagem destas? Nomeadamente, as melhores alturas do ano para fazer a viagem, cuidados a ter e já agora se foi através de alguma agência de viagens e qual?
Muito obrigado!
pelomundo13
7 de Maio de 2015 at 10:17
olá Gonçalo eu fiz atraves da http://www.gadventures.com e recomendo. a melhor altura do ano é na época seca entre Junho e Outubro. Cuidados a ter, essencialmente é fazer a profilaxia da malária.
candida
31 de Outubro de 2014 at 21:45
🙂
Ana
14 de Novembro de 2014 at 16:39
Saudades de Zanzibar… das cores, da simpatia, da água turquesa, da tranquilidade, da paz 🙂
pelomundo13
14 de Novembro de 2014 at 16:58
Sem dúvida Ana… que terra maravilhosa. Bj
Óscar Sá Pinto
21 de Fevereiro de 2015 at 16:08
Fiz Tanzânia e Zanzibar em novembro de 2014 e, ao ler o seu artigo, voltei a sentir e a viver a nostalgia única de África.
Obrigado pelas emoções descritas que tive oportunidade de viver.
pelomundo13
22 de Fevereiro de 2015 at 16:13
É uma grande viagem, eu voltava já amanhã. Um abraço.