E por falar no Brasil?

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Estive há uns anos na Praia do Forte a pedido da revista Volta ao Mundo… e adorei. Por norma não sou fã de resorts de pulseirinha, mas este Eco Resort cativou me. Pela tranquilidade, pelo bom gosto, pelo Kids Club que mantém as crianças entretidas em espaços próprios para elas, pelos buffets fartos mas com qualidade, pela praia maravilhosa. Aqui vai a reportagem:

 

Na Polinésia do Brasil

 Longe dos mares do Pacifico Sul, mas muito perto do paraíso, a Praia do Forte é dos últimos lugares no Brasil que permanece (quase, quase) intocável. 12 km de areais semi desertos, a mata de coqueiros mais densa do Nordeste, cinco reservas protegidas, tartarugas e baleias, uma pequena vila de pescadores com sons de samba e chorinho, e um dos resorts melhores do mundo. Há quem apelide a Praia do Forte de “polinésia brasileira”. É fácil perceber porquê.

 

Há sitios abençoados. Quer se acredite ou não em Deus, Buda ou Maomé. Há sítios que logo à partida já teriam tudo para ter muito. Como a Praia do Forte. Lá para os lados do Brasil, em plena Costa dos Coqueiros, a pouco mais de 50 quilómetros de Salvador da Baía.

Conhecida por ser todos os anos berço de mais de 65 mil tartarugas que escolhem os seus areais para nascer, esta costa verde mantém-se até hoje um dos últimos refúgios tropicais onde ainda não chegou o turismo de massas – vulgo grandes resorts de betão e palmeiras artificiais, muitos bares com néons e lojas de souveniers.

Por estes lados, pelo contrário, ecologia, preservação do ambiente, reserva natural e ecoturismo são mais do que palavras, acções.

Uma vila pequena, com casinhas baixas e lojas coloridas, que por lei não podem ultrapassar a altura dos coqueiros, uma praia onde são proibidos jet skis e motas de água, um resort – o Praia do Forte Eco Resort & Thalasso Spa – onde se aprende a fazer a separação do lixo, a reciclar papel e a preservar a natureza. “Usufruir sem destruir” é o lema local.

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E tudo isto no meio de uma paisagem de 250 mil metros quadrados dignos de bilhete postal, um sol permanente e uma temperatura média de 28 graus – tanto do ar como da água do mar. Ao som dos batuques do samba e dos violões do “chorinho”. Com sabores quentes temperados a azeite dendê e a leite de coco. E muito “chopinho” e muita caipirinha de frutos tropicais. Se fosse só isto já seria maravilhoso. Mas é mais. Muito mais.

Passemos então às apresentações, de pés descalços, enterrados na areia e água de coco bem gelada, como por aqui se quer. No meio de dois mergulhos que o calor abafa e o Verão na Baía é eterno.

Oito dias na Praia do Forte Eco Resort e uma única tarefa em mãos: aproveitar o máximo possível, desfrutar de tudo o que têm para me oferecer de forma a que possa voltar para Portugal e relatar o mais fielmente possível o quanto me diverti por cá. Uma tarefa árdua, mas vou tentar. (É melhor não abusar nas caipirinhas.)

A aventura começa no aeroporto de Lisboa, numa manhã fria de Inverno. Onze horas depois, como por artes mágicas, desembarcamos no calor do Verão baiano. Logo no aeroporto, somos recebidos numa sala privada que o Eco Resort aqui tem para receber os seus clientes com bebidas geladas e toalhinhas refrescantes. Cinco minutos de descanso e partimos então de carrinha rumo ao hotel, que fica a pouco mais de 45 minutos de estrada. Mal chegamos não precisamos de muito para perceber porque é que o Eco Resort da Praia do Forte foi já durante vários anos classificado pela revista Conde Nast Traveler com uma dos melhores resorts do mundo. Perfeitamente integrado na paisagem – da praia não se consegue ver o hotel-, todo construído em madeira, palhinhas, vergas e colmo, num estilo de toques polinésicos. Aberto para o mar, só praia, coqueiros, jardins de árvores exóticas e  relvados a perder de vista.

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Já com vinte e dois anos de história, o Eco Resort da Praia do Forte pertence desde Julho de 2006 ao grupo português Espirito Santo. Desde então, como se já não fosse fantástico, tem vindo a sofrer algumas obras de remodelação para se tornar ainda melhor. Chegamos precisamente no dia em que se inaugura a nova recepção, toda em madeira classificada, com sofás de verga, almofadas cor-de-rosa shock e azul do mar em dias de Verão.

Somos recebidos com os sorrisos quentes próprios do povo baiano, simpático por natureza e divertido por tradição. À nossa espera, no buffet do jantar no restaurante Goa, alinham-se pratos e mais pratos de delicias locais. Vatapá, moqueca de peixe, bobó de camarão, casquinha de siri, picanha grelhada, bolo de mandioca, gelado de maracujá. É fácil perceber porque é que baiana que é baiana tem curvas muito (mesmo muito) generosas.

No Eco Resort um dos pontos fortes é mesmo a comida, não fosse o Nordeste do Brasil  conhecido pelas suas delicias gastronómicas de inspiração africana. Mas há mais. Depois de um sono retemperador numa suite voltada para o mar – não há quartos neste hotel que não o sejam – empenho-me a fundo na minha missão de aproveitar ao máximo  tudo o que a Praia do Forte me tem para dar.

Logo ao pequeno-almoço – outra perdição – reparo que a maioria dos clientes são casais em clima romântico ou famílias com crianças, muitas crianças. Incompreensivelmente, só se vêem ao pequeno –almoço. Durante o dia não se ouvem choros, gritos infantis, gargalhadas, reprimendas, birras de sono, chapinhares na água. Também não se vê quase nenhum adulto, nem na praia, nem nas duas piscinas, nem pelos jardins. Apenas uma pessoa aqui, um casal ali, duas ou três pessoas acolá.  Tudo com a máxima serenidade, um sossego absoluto, intercalado apenas pelo som dos passáros- a Praia do Forte tem mais de 245 espécies classificadas – o barulho do mar e o resfolhar das palmeiras.

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Bernard Mercier, director geral do hotel, desvenda-me o segredo de tal paz.

“O nosso público – 50 por cento brasileiros, 30 por cento portugueses e 20 por cento de ingleses, alemães, americanos –  é maioritariamente casais em lua de mel e famílias com crianças, o que à partida são dois tipos de clientes difíceis de juntar. Normalmente os segundos fazem muito barulho, o que incomoda os primeiros. A maneira que arranjámos para  conseguir juntar uns e outros foi criar zonas distintas: há duas piscinas para adultos, uma praia com um areal de 12 quilómetros, uns grandes espaços verdes com espreguiçadeiras e chapéus de colmo e afastado de tudo isto, temos então o clubinho das crianças, o Careta Careta, onde elas têm a sua própria piscina, a sua própria zona de refeições e de brincadeiras. É neste clubinho que as crianças podem passar o dia inteiro com monitores em inúmeras actividades próprias para as suas idades.” Resultado final? Perfeito. “A aposta está ganha, neste momento somos aquele que é considerado o melhor resort brasileiro e um dos melhores do mundo, salienta Bernard Mercier, com orgulho. E tem razão para isso.

Resta dizer que enquanto as crianças se entretém no clubinho Careta Careta, não faltam actividades para os pais que queiram mais do que ficar deitados na rede da varanda do quarto, à sombra do alpendre, respirando o ar puro.

Todos os dias o Eco Resort oferece uma parafernália de actividades – e não, não estamos a falar das habituais aulas de salsa, torneios de pingue-pongue e barulhentos jogos de vólei na piscina, entre cervejas e cubas libres. Este é um resort para elites,  o próprio preço faz a selecção. Há aulas de yoga e Tai Chi, sessões de talassoterapia, massagens relaxantes à  luz de velas aromáticas,  passeios de canoa pela lagoa de Timeantube, ao longo dos manguezais, por onde se descobrem dezenas e dezenas de pássaros de mil cores. Sempre com o acompanhamento de biólogos do próprio resort, os hóspedes do Eco Praia do Forte podem ainda conhecer as piscinas naturais de Papa Gente, uma praia próxima, ou as reservas de mata atlântica em redor – classificadas pela Unesco como Património da Humanidade. Em particular, vale a pena fazer um passeio pela Reserva de Sapiranga, que tem 600 hectares de mata preservada com espécies raras de fauna e flora.

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Não faltam ainda sugestões para passeios de cavalo, de moto-quatro, caminhadas a pé por trilhos ecológicos e visitas guiadas de um dia a Salvador, com passagem pela Barra, pelo Mercado, pelo Pelourinho e pelo bairro de Santo António, com as suas casas coloridas e os seus cafés com vista para a Baía de Todos os Santos. Com tempo, com calma, para se sentir quase dentro de um livro de Jorge Amado.

De volta para a Praia do Forte, a vila local é mesmo quase pegada ao Eco Resort. Rústica como se quer e alegre como só pode ser na Baía, é  ideal para dar umas voltas, conhecer os inúmeros restaurantes e as lojinhas de artesanato. Beber uma Skol “bem geladinha” e ficar para a noite, quando as ruas se enchem de gente e de música, entre o samba e o chorinho, com um toque de axé.

Ao fundo da rua principal da vila, a Alameda do Sol, fica o  projecto Tamar – uma organização sem fins lucrativos que zela pela  preservação das tartarugas. Vale a pena visitar, de preferência na companhia de Cláudia, uma das biólogas do Eco Resort. Paulista de nascimento, mas baiana de coração, é ela que nos conta como nos tempos idos, os pescadores da região tinham por hábito matar as tartarugas que por aqui andavam para as comer. O mesmo faziam com os seus ovos, considerados um pitéu pela gente local. Com estes animais em vias de extinção, foi preciso o projecto Tamar começar ainda nos anos 80 a sensibilizar a população para que hoje em dia já seja possível que nasçam nesta costa milhares e milhares de tartarugas por ano. “È por causa das tartaruguinhas que a praia do hotel não pode ter luz à noite, pois senão logo que elas nascessem ficavam encadeadas e não conseguiam encontrar o mar”, explica Cláudia.

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Junto ao projecto Tamar, há também o projecto Jubarte que zela por sua vez pela preservação das baleias gigantes Jubarte – podem chegar aos 16 metros de comprimento e 40 toneladas de peso- que todos os anos escolhem o litoral sul da Baía, entre Julho e Novembro, para acasalarem e terem os seus filhotes.

Para lá das tartarugas, das baleias e do ecoturismo, a Praia do Forte também é história e cultura. É Cláudia, a nossa “baby sitter” de serviço, que nos leva a visitar o castelo Garcia D’Ávila –  o único castelo brasileiro de estilo medieval – e nos conta a história da região.

Foi na Praia do Forte que desembarcou no século XVI o almoxarife real português Garcia D’Ávila. “A ele se deve a introdução do coqueiro nesta costa. Foi ele que o trouxe da Índia para aqui”, conta Claúdia. “E também foi ele que lançou as bases para aquele que viria a ser o maior latifúndio do Brasil.” Uma fazenda de coqueiros que ocupava cerca de 10 por cento do território brasileiro. Da história restam agora os cocos e o castelo, já em ruínas, mas ainda com uma vista de sonho.

“ Foi então nos anos 70que chegou aqui um paulista, descendente de alemães, Klaus Peters, que resolveu comprar toda esta terra da Praia do Forte, mas sempre com a ideia de preservar a beleza natural, de preservar a vila de pescadores, de não mandar fora a gente local, não trazer só betão para aqui.” Uma ideia que muitas acharam utópica, mas que até hoje se mantém.

 

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Exemplos? “Na Praia do Forte só se pode deitar abaixo um coqueiro com autorização expressa e mesmo assim, por cada árvore derrubada é obrigatório plantar outras quatro. Por cada 50 metros de área construída, a lei obriga a que se plante um coqueiro. Os telhados têm que ser de palha ou de telha colonial, as construções devem estar recuadas da linha do mar e os materiais de construção só podem ser madeira ou barro”, explica Claudia.

Para proteger a vila e os seus pescadores, Klaus Peters-  também responsável pela construção do Eco Resort – obrigou a prefeitura local a fazer um contrato com os moradores, de forma a que estes não tenham direito a vender as suas casas, só a doá-las aos seus herdeiros. “Desta forma ele estava a tentar que não acontecesse nesta vila aquilo que aconteceu em muitos sítio no Brasil, onde logo que um turista chegava, o nativo vendia a sua casa para ele e em poucos anos, aquilo que era uma vila característica, acabava ficando uma vila urbana com pouca categoria.”

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A verdade é que mal ou bem, a vila de Praia do Forte continua com traços de povoado rústico, de portas abertas e baiano na rua, bebendo cerveja e jogando cartas. Com as crianças e os cães a correr em redor. E baiana de saia rodada e banca armada, de colares fartos e ventre cheio, vendendo acarajé com camarão seco “para comer dia sim e dia também” . E loja de hawaiana multicolor, de bikini e de cesta de verga, de brinco e de colar.  E restaurante de sabores da terra, como o do Zequinha, que tem fama e proveito de ter a melhor moqueca de camarão da Baía e do mundo, ou o bolinho de peixe do Souza, primeiro restaurante da Praia do Forte, que pela noite larga “o agito”  até de manhã.

“Continua a ser uma terra de boa gente”, salienta Claúdia.  Boa gente de trabalho, boa gente do mar, boa gente antiga, de pele encarquilhada e histórias para contar, como a Dona Mariazinha, senhora dos seus 84 anos, nascida e criada na Praia do Forte, “ainda quando as ruas eram todas de areia, as casas de palha e a água para beber só vinha do rio.”. Dona Mariazinha trabalhava então “fazendo bigode de coco e trança de chapéu”, hoje é conhecida por vender a sua famosa cachaça “Cura Veado”, nome que diz de sorriso matreiro e piscadela de olho. “Já curei muito veado, viu? Muito veado que veio aqui, bebeu minha cachaça e saiu homem a gostar de mulher.” Mas afinal qual é a receita? “Não digo não, há trinta anos que faço essa cachaça aí no fundo do quintal, é o meu segredo, agora vou-me reformar, ai valha-nos Deus que vai ficar aí tanto veado à solta”, diz com uma gargalhada fresca, imune ao sol a pique das quatro da tarde. A cachaça queima. Na casa da frente, “seu” Ulisses, estende uma uma cerveja Skol gelada e convida para entrar. É segunda-feira, dia de pausa na pesca, dia de “beber, cantar, dançar, rir e amar.” Tudo isso e tudo junto.

“Seu” Ulisses, figura grande da Praia do Forte, pescador de alma e artesão de coração, é um dos principais organizadores da festa dos Caretas, uma tradição local que vem desde a época dos escravos. “Nessa altura eles se refugiavam nas montanhas e se fantasiavam com caretas – máscaras – e cabeleiras de ráfias e guizos para os combates com os senhores.”, conta “seu” Ulisses. Hoje já não há confrontos, mas os “caretas”, ainda saem para a rua, todos mascarados, aterradores, por alturas do Carnaval para assustar quem passa. “É uma maravilha, tem que ver”, garante “seu” Ulisses, para quem o Carnaval é uma das principais razões de viver. Outra é o grupo “Raízes do Forte”, que se reúne às segundas feiras no seu quintal. Muita cerveja, muito peixe grelhado, muito “molho lambão”, muita alegria. Quatro, cinco, seis, aqueles que aparecerem. Um toca com colheres de sopa, outro toca timbau, outro cavaquinho, outro violão. Há o Zéu, há o Damião, há o Motor. Há quem vai chegar e ainda não chegou. “Sempre há uma cerveja que sobra para quem vem por bem”. E tudo junto dá uma mistura de “chorinho, com samba, levada de chorinho  e sambinha. Qualquer coisa bonita para caramba”, que até já foi descoberta por um editor de world music. “Levaram nos para tocar na maior sala de espectáculos de Salvador, uma beleza, foram aplaudidos de pé, agora vão editar um disco”, conta Cláudia. E “seu” Ulisses confirma. Ainda a leste do sucesso, contente por estar no seu quintal, na sua segunda feira longe do mar, com os seus amigos, a sua cerveja, as suas “caretas”  de “papel com cola de maizena.

Como Doidão, artesão premiado, que passa os dias no seu atelier, na Alameda do Sol, fazendo esculturas de cedro e jacarandá, dando vida às figuras do Candomblé. Um atelier pequenino, uma fama do tamanho do mundo. “Já fiz exposições em França, em Boston, em Espanha, há gente que vem aí de todo o mundo para comprar meus trabalhos, mas o que quero mesmo é puder continuar aqui” na Praia do Forte, na sua pequena lojinha. “Onde tudo mundo me conhece, onde me sinto bem.” E não é difícil perceber porquê. Na Praia do Forte, sentimo-nos bem. Leves. Com todo o tempo do mundo. Doidão tem razão. “seu” Ulisses também. Claúdia que trocou São Paulo “pelo paraíso” soube o que fez. As tartarugas e as baleias escolheram um bom sitio para vir acasalar e ter filhotes.

Já na esplanada do Zequinha,  desafiam-me: “Vai mais uma roska – caipirinha com vodka em vez de cachaça – agora de caju, vai, agora de caju?” Seja. Para a despedida. “Não vai não, tá ceeeeeedo….”. Na Praia do Forte está sempre cedo. Com voz arrastada e corpo mole. “Tá ceeeeeeeedo.” Há sempre tempo. E bom tempo. E um mar fantástico. E redes para dormir a sesta com embalo. E sorrisos sinceros. E sol. E calor. E bóbó e moqueca. E música nas ruas, nas esquinas, dentro de quem passa.  E coqueiros a perder de vista. E gente boa. Com o coração cheio de tanto para dar. É bom saber que ainda há sitios assim no mundo. Quase intocáveis. Quase em estado natural. Onde pudemos ir e voltar. Onde pudemos voltar sempre.

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